A GUERREIRA VI continuação
Estava eu ali, na varanda, olhando o entardecer. Meus olhos perdidos no horizonte, os pensamentos voando. O vento frio soprava. Sempre trazia sobre as pernas uma grossa manta, revestida por pele de animais. Minha companheira de todo entardecer.
Me mantinha sentada, ereta, apoiando o punho esquerdo sobre a pequena cerca que rodeava a varanda, feita sobre o estribo de madeira que a protegia. Era minha posição diária. Misto de meditação e de sobrevivência. Olhava para o céu como se visse uma paisagem surgir. Ficava horas ali, sentada, lembrando dos dias de outrora.
O tempo ia longe, mas nada era tão próximo quanto o dia daquele massacre. Me via ali, sozinha, sem o acalento dos familiares que tanto alegram o tempo da velhice. Teria feito as melhores escolhas na vida? Tanto priorizei a tribo, nossa comunidade, que muitos desafetos teci. Assumi uma postura revolucionária, ousada e forte, apesar de toda fragilidade e insegurança que me invadiam e até hoje invadem minha alma.
Tanto a se pensar... Já não tenho o vigor para as caminhadas entre os espaços íngremes que cercam nossa habitação. Já não detenho a clareza no olhar para perceber as variações do relevo. Não mais tenho a percepção sutil da profundidade, não percebo as sombras ou detalhes.Quase só enxergo o que se mostra a minha frente. Minha visão limitada também restringe um espaço de foco para que eu veja. Os dias se tornaram tão longos desde então...
Olhando as nuvens se tornando rosadas vi a minha frente uma jovem delicada, envolta numa aura sublime de felicidade. Tinha no colo um pequeno bebê que acabara de nascer. Quão esperançoso era seu sorriso! Olhava para o jovem que estava a sua frente e virtuosamente lhe entregou aquela pequena prenda, como se compartilhasse naquele gesto, um sentido de vida. Um faixo de luz rara que era compartilhado entre os dois.
O jovem rapaz, guerreiro também, acolheu desajeitadamente o bebe no colo. Olhava maravilhado para a criança e para a jovem a sua frente. Ela estava com os olhos marejados de lágrimas. Como se pareciam as duas! A criança espreguiçou e ele disse: Nessa pequena vida você está! Pequenina vida, grande força tem! A mesma força que existe em você!
Um choro profundo saiu de meu peito. Já não mais lembrava da nobreza daquele momento. Tanta alegria significaria tanta tristeza depois... Seria assim a lógica da vida? Não sentir felicidade seria estado e garantia para não sentir e conviver com a tristeza? Não ter é suficiente para não sentir o perder? Valeria o esforço de evitar a dor pela negação do amor?
Perguntas que não consigo ainda responder. Não agora...